quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Organizadamente bagunçado

O vestido era inquestionavelmente bem passado. Seu falar, de tão baixinho, parecia mais um sussurar de infinitos segredos. "Muito obrigada", "com licença", "por gentileza" eram algumas das expressões que fluíam da sua boca incontáveis vezes. A família tinha parte nessa educação, bem se sabe, mas seu comportamento tão recatado ia além de contribuições de mãe e pai, suas características eram inerentes à sua personalidade.

O quarto da menina era milimetricamente organizado. Prateleira com livros alfabetica e tematicamente dispostos; perfumes, batons, hidratantes, brincos, colares, anéis, tudo, tudo extremamente organizado. Bastava alguém lhe perguntar onde estava tal coisa que a resposta viria em seguida: "A caneta dourada? Está na segunda gaveta da mesa, dentro do estojo azul, perto do rosa". Perfeccionista, sempre.

Ela organizava tudo. Guarda-roupa, armário, prateleira, até a caixinha de semi-joias passava por uma minuciosa vistoria. Essa organização parecia dar certo, parecia dar-lhe controle sobre as coisas. E dava mesmo.

Quando já moça, quis também organizar os relacionamentos, as convivências. Algumas pessoas começaram a demostrar certa insatisfação com a mania dela de querer controlar a conversa, os turnos de fala, o vocabulário a ser usado, quem poderia fazer o quê e como. "Mas era tão bom as coisas organizadas!" Ela pensava.

Certo dia, já mulher, sentiu-se triste. Ser organizada, perfeccionista era bom, algumas pessoas até elogiavam, mas ela reconhecia que estava exagerando. Ela se tornara chata, exigente e incoveniente. "Preciso mudar", ela pensou. "Mas, como fazê-lo? Estou tão acostumada a ser assim...".

Era uma tarde agradável. Uma chuva, que se estendeu por mais de 3 horas, convidou-a para se sentar ali, no chão da varanda, que nem estava tão limpo, e a fez pensar. Ela queria mudar e iria fazê-lo começando pelo quarto. Decidiu não arrumar o quarto por alguns dias. Sim, ela queria ver o quarto bagunçado. Bagunça???? É, ela iria permitir o próprio quarto, tão ritualmente organizado, experienciar uma nova realidade.

Primeiro dia. Ela não guardou o tênis e a sandália que usara. Deixou ali, jogados ao chão. No segundo, foi a vez das bolsas que não foram para o guarda-roupa, ficaram ali mesmo, sobre a cama. Nos dias que se seguiram, outras coisas foram mudando de lugar. Incomodada??? No início sim. Muito. "Como alguém pode ser assim, em plena bagunça?" Mas ela estava decidida. Queria viver aquilo. Queria saber como seria ser menos exigente e perfeccionista.

Depois de uma semana, a bagunça passou-lhe a ser indiferente. O pente fora do lugar já nem lhe incomodava mais. Quando precisava dele, o procurava e encontrá-lo, independente do lugar, seria motivo de alegria.

Ela começou a ver outras coisas. Sorria com mais frequência e intensidade. A vida lhe era agora diferente. Um sabor agradável que não havia ainda experimentado. Sim, ela conseguira se libertar de algumas regras tão banais, enfadonhas e injustificáveis, que ela mesma havia imposto. Percebeu que era mais feliz assim. Entendeu que não era preciso ser tão radical, tão milimetricamente organizada e perfeccionista.

As mudanças superaram os limites do quarto e alcançaram o local de trabalho, de estudo, alcançaram outras vivências. Ela gostou. Gostou de ter mais amigos, gostou de rir mais, gostou de ser mais feliz. Entendeu que ser menos rígida e exigente com certas coisas permitia-lhe ser mais feliz. O quarto? Esse passou a ser organizadamente bagunçado. Sim, um misto de bagunça e organização, de rigidez e flexibilidade. Sua vida? Ahhhh... essa adquiriu um sabor indescritivelmente mais suave, mais agradável e desejável. Passou a ter gosto de vida humanamente vivida, sentida, percebida.

Ela?? Ela sou eu, na verdade. Eu era assim, conforme descrevi. E não era feliz com isso. Queria mudar. Desejei mudar. Mudei. Levou certo tempo pra tal acontecer. Sei que, para alguns leitores, gostar de ter um quarto bagunçado parece estranho, louco até. Mas, pra mim, significou libertação. Percebi que poderia ser muito mais feliz se exigisse menos de mim, se cobrasse menos das pessoas. A vida não precisa ser tão séria, tão perfeita. A vida só precisa ser vida, ser vivida com todos os sabores: doce, salgado, amargo, azedinho... Ela é mais gostosa assim, posso lhe assegurar.

Por que não mudar o previsto na agenda?
Por que não sentar em outro lugar/sofá diferente do habitual?
Por que não usar o cabelo diferente, uma roupa diferente?
Por que não assistir a uma programação de Tv diferente?
Por que não fazer algo que nunca fizemos?
Por que não se permitir errar de vez em quando?

Parece estranho, mas nunca gostei tanto do meu quarto como agora: organizadamente bagunçado.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Professor-amélia... é só o que me faltava...

Tem dia que acho que estou fazendo a coisa certa: ser professora. A maior parte dos meus alunos se tornam meus amigos, me divirto com eles. Ensinar torna-se um ofício prazeroso, divertido e percebo que tenho conseguido alcançar meus objetivos: compartilhar meu conhecimento.
Outras vezes me pergunto onde eu estava com a cabeça quando decidi ser professora. Que alunos são esses que querem tudo menos estudar? Que famílias são essas tão desestruturadas e tão irresponsáveis em relação aos filhos? Que governo é esse que prioriza uma merda chamada quantidade e esquece da qualidade?
Hoje eu estava lendo o jornal Tribuna do Planalto e me deparei com uma entrevista interessante realizada com Ademir Luiz da Silva, doutor em História, professor da Universidade Estadual de Goiás e da Faculdade Alfredo Nasser. Vou reproduzir aqui alguns fragmentos que mais gostei:

Jornal: Por que o senhor argumenta que a imagem de "missionário" em torno do professor do Ensino Básico não é bem vinda?
Professor: Um missionário faz o que faz por abnegação pessoal. Não precisa nem espera ser reconhecido ou recompensado por seus sacrifícios. Há décadas os professores estão sendo tratados assim. [...] O discurso missionário que impregna a Pedagogia moderna faz com que o professor aceite atribuições que não são suas, obriga-o a embarcar em missões impossíveis, leva-o a sentir-se culpado por fracassos que não são seus. (Eu: O governo adora fazer propagandas sobre constantes cursos de formação de professor - o único responsável pelo sucesso/fracasso dos discentes. Será que os políticos se esquecem de que os alunos também deveriam ser preparados psicologicamente para serem estudantes??!)
[...]
Jornal: Essa condição missionária não prejudica a superação de fatores como a violência escola contra ele próprio, por exemplo?
Professor: Com certeza. De missionário rapidamente se passa a mártir. Os professores brasileiros estão sendo transformados em amélias. Pessoas que acham que é bonito, que é heroico sofrer. Estão sendo levados a acreditar que quanto pior suas condições de trabalho mais digna é a atividade. Mera falácia. (Eu: Professores-amélias é a mais perfeita descrição do que o governo tem tentado nos transformar!!! Ei, políticos: EU NÃO SOU PROFESSORA -AMÉLIA!!!)
[...]
Jornal: Esse é um dos motivos pelo qual o senhor diz que o professor está se afastando da sua função intelectual e sendo infantilizado no seu próprio ambiente de trabalho?
Professor: Começo com um exemplo: reuniões pedagógicas. Muitas vezes (nem sempre) o processo é o seguinte. O grupo começa rezando no espaço pretensamente laico da escola. Em seguida, faz-se a leitura de um "textinho" simplista de auto-ajuda, pontuados com uma ou duas frases soltas de um grande pensador, como Platão ou Voltaire. Depois se segue com uma dinâmica de grupo, que pode ser desde uma dança da cadeira até a brincadeira de passar o anel. No meio disso tudo discutem ações pedagógicas. [...] Como resultado, o professor, despido de sua função intelectual crítica, se tornou mera engrenagem no sistema. É podado e corrigido o tempo todo, como se fosse criança e não soubesse o que está fazendo, muitas vezes por pessoas que não são especialistas em sua disciplina. (Eu: Não suporto receber balinhas, bombons com aqueles papeisinhos cujas frases são utópicas!!! Eca...)
[...]
Jornal: Se o público escolar mudou, a escola também não deve mudar? Ela (a escola) não está em busca de ajustes para conseguir lidar com as demandas da sociedade contemporânea?
Professor: Não sou um nostálgico da palmatória e do chapéu de burro. Pelo contrário, acredito que a escola deve sofisticar seus métodos. Contudo, nesse processo, não se pode jogar fora elementos que sempre deram certo. A escola possui, sim, um importante papel de agregador social, mas não pode ser transformada em uma creche. (Eu: Governo e família, por favor, escutem isso: ESCOLA NÃO É CRECHE. ESCOLA É LUGAR DE CONSTRUIR CONHECIMENTO COGNITIVO!!)

Gente, que sistema educacional é esse que o menos importante é o conhecimento???
Que homens e mulheres serão amanhã as nossas crianças e adolescentes de hoje??
Eu quero condições de trabalho (segurança, materiais, respeito, salário digno etc.).

Para aqueles que não concordam com as afirmações do professor Ademir ou com as minhas colocações, eu convido para fazer uma visitinha a qualquer escola pública do país e constatar o que temos vivido.

Entrevista completa no site: www.tribunadoplanalto.com.br
Opinião/Entrevista/Ademir Luiz da Silva
Ano IV, Número 440
Goiânia, 18 a 24 de Outubro de 2009

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tempos de serenata...

Fico triste quando vejo que praticamente já não há mais o tão necessário romantismo nos relacionamentos. O "amor" passa a ser demonstrado através de presentes caros, e o pior, as pessoas parecem se acostumar com isso.
Dia dos namorados, aniversário, aniversário de namoro, aniversário de casamento, natal, entre outras datas, passam a ser regadas com presentes como roupas e/ou calçados de marca, bouquet de flores com um cartão geralmente nada original (tem homem que pede a própria atendente da floricultura pra escrever algumas frases e não tem sequer a decência de ler o que está no cartão!!!) entre outras práticas às vezes tão vazias de sentimento. Não sou contra dar ou receber esse tipo de presente. Eu também gosto de flores, bombons, roupas, mas às vezes eles se tornam tão monótonos porque não são acompanhados de carinho, de amor. Além disso, eu acho que não precisamos esperar uma data comemorativa para expressar o nosso sentimento. É tão bom ser surpreendida derrepente com um "Eu te amo", "Você me faz muito feliz", "Preciso de você"!!!!
No último sábado, por volta das 2h da madrugada, fui acordada ao som de uma melodia lindíssima. Era o meu amore expressando o terno sentimento que nos une e nos tem fortalecido dia após dia. Como disse uma amiga, ele cantou e me encantou. Ao abrir o portão e me deparar com ele ali, tocando violão e cantando a nossa música, faltaram-me as palavras e só consegui expressar através de um abraço forte o que estava sentindo no coração.
As palavras ainda me faltam até porque tem coisas que são melhor quando sentidas do que quando faladas, por isso, só quero compartilhar com vocês essa canção tão linda:

Que sejas meu universo (PG)

Que sejas meu universo
Não quero dar-te só um pouco do meu tempo
Não quero dar-te um dia apenas da semana
Que sejas meu universo
Não quero dar-te as palavras como gotas
Quero que saia dilúvios de bençãos da minha boca

Que sejas meu universo
Que sejas tudo o que penso e o que tenho
Que de manhã seja o primeiro pensamento
E a luz em minha janela
Que sejas meu universo
Preencha a cada um dos meus pensamentos
Que a tua palavra e o teu poder seja meu alimento
Jesus esse é o meu desejo

Que sejas meu universo
Não quero a minha vontade, quero agradar-te
E cada sonho que há em mim quero entregar-te

(Bis)


Que tal expressar hoje, de uma maneira diferente, seu sentimento por quem você ama??!!

domingo, 4 de outubro de 2009

Sem título, sem nexo, sem nada, só vácuo...

Já faz tanto tempo que não posto nada.
Eu poderia falar sobre tantas coisas!!!! Há selinho em atraso (amigo Marcone, desculpe, assim que possível, vou buscar o teu mimo, tá!!!); sobre a minha defesa de mestrado que foi ótima, terminei mais uma etapa na minha vida; ou sobre a aprovação em um concurso que tanto desejei e que me trouxe tanta alegria; sobre a minha família tão maravilhosa e única, que faz os meus dias terem a cor do amor; ou, ainda, sobre a nova vivência que tenho experienciado nos últimos dias.
Não sei.
Como diz meu amigo Rogério em um de seus posts: Id e Ego estão em confronto em mim, estou sem forças pra relutar, pra raciocinar, pra decidir. Só consigo contemplar e nada dizer, nada fazer.
Não estou conseguindo ouvir o diálogo entre Id e Ego, não estou conseguindo compreender seus argumentos, nem mesmo consigo identificar o idioma que estão usando. Acho que é mais complexo do que eu poderia imaginar.
Eita...